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Fonte: http://www.aquafluxus.com.br/10-memes-sobre-a-crise-hidrica/

Brasília, 24 de janeiro de 2017.

No dia 12 de janeiro de 2017, o governo do Distrito Federal (GDF) anunciou o Plano de Rodízio de Água formulado pela Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) em todas as áreas abastecidas pelo Rio Descoberto (que opera com nível abaixo de 20% de sua capacidade total, limite inferior ao recomendado pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento – Adasa). Atualmente, o DF conta com 31 Regiões Administrativas (RAs) e 65% delas foram afetadas com o racionamento. Durante a seca, o Descoberto é o manancial mais afetado por não conseguir suprir a demanda das regiões abastecidas. As razões para este problema envolvem fatores que vão desde a construção de Brasília até a conscientização do uso da água.

Em 1959, três anos após o início da construção de Brasília, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do DF era de 64 mil pessoas, sendo que maioria (42 mil) era formada por trabalhadores da construção civil. A ocupação de terras por esses ocorria não apenas em Brasília, mas em áreas rurais que posteriormente se transformaram nas regiões administrativas.

A capital foi inaugurada em 21 de abril de 1960, a população era estimada em pouco mais de 140 mil. De 1960 a 2009 esse número foi para dois milhões de pessoas, um crescimento de 1.759,87% no percurso de 49 anos. De acordo com o último censo realizado pelo IBGE, em 2010 o DF tinha 2.570.160 habitantes e com estimativa para 2016 de quase três milhões. Brasília foi planejada para 500 mil habitantes, entretanto, apresentada como polo moderno e de desenvolvimento para o país, não contava com a grande explosão populacional em tão pouco tempo.

Nos arredores de Brasília, a maioria das áreas foi apossada por meio de assentamentos e loteamentos irregulares. As ocupações desenfreadas dessas terras foram consideradas ilegais por infringirem a Lei sobre edificações urbanas e preservação do meio ambiente (Lei 6.766/1979), que normatiza o uso da terra urbana e criminaliza a prática de loteamento impróprio.

Um dos principais problemas de regiões habitacionais irregulares se refere à construção indiscriminada de poços artesianos em áreas de nascentes. Os prejuízos destes poços vão desde sobrecarga de reservas subterrâneas (que dificulta a reposição da água retida), até a contaminação de aquíferos. Segundo o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), é permitido o uso de água de cisternas e poços apenas em dois casos: em locais que possuem projetos de irrigação aprovados pela Secretaria de Agricultura, e em terrenos com área superior a 5 mil metros quadrados. Infelizmente, até o momento, o DF não possui norma própria de regulamentação de loteamentos e, no caso de empreendimentos imobiliários, faz-se uso da Lei Federal sobre condomínio em edificações e incorporações imobiliárias (Lei 4.591/64).

Com o aumento populacional e consequente expansão do número de construções, muitas dessas obras foram projetadas sem sistema de permeabilidade do solo, afetando negativamente o reabastecimento de nascentes e lençóis freáticos. Muitos dos programas de habitação desenvolvidos pelo governo federal foram planejados sem sistema de captação e reutilização das águas pluviais, ou possuem um sistema, mas não é utilizado por desinformação dos moradores.

Na tentativa de solucionar a crise hídrica em muitos estados brasileiros, em fevereiro de 2015, o Senador Ivo Cassol (PP/RO) apresentou proposta alterando a Lei 11.977/2009 (Programa Minha, Casa Minha Vida), exigindo que “empreendimentos do Programa Nacional de Habitação Urbana – PNHU tenham adequação ambiental do projeto, atendida, sem prejuízo de outros fatores, a obrigatoriedade da implantação de sistemas de coleta, armazenagem e uso de águas pluviais”. A matéria (PLS 15/2015) ainda consta com relatoria na primeira comissão de mérito (Comissão de Assuntos Econômicos) e sem previsão para sua apreciação.

Diante de um colapso hídrico, no mesmo ano da proposta do Senador Ivo Cassol, a Caesb do Distrito Federal abriu licitações para obras de captação de água. Obras que utilizam recursos hídricos são outorgadas pela Agência Nacional de Águas (ANA), órgão responsável pelo controle quanti e qualitativo dos usos de água, além de desempenhar ações de regulamentação, apoio à gestão hídrica, monitoramento de reservatórios, planejamento de projetos e programas de uso racional e sustentável de recursos hídricos.

Um dos projetos divulgados pela Caesb prevê captar água do Lago Paranoá na intenção de abastecer pelo menos quatro áreas do DF. Outro projeto foi da obra do Rio Bananal, o qual poderá desafogar o reservatório de Santa Maria que, atualmente, também sofre com níveis baixos de seu reservatório e responsável por abastecer 75% da população do Plano Piloto. A conclusão dessas obras está prevista para 2018, porém, algumas ainda dependem de liberação de recursos oriundos do Orçamento Geral da União por fazerem parte da 3ª Chamada do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC II.

Outra sugestão foi o Projeto de Lei de Permeabilidade apresentado na Câmara Legislativa do Distrito Federal. A medida tem por objetivo obrigar lotes com mais de 600 mil/m² a desenvolver soluções artificiais para melhorar a capacidade de infiltração das chuvas, reforçando os reservatórios e reduzindo a sobrecarga do sistema de drenagem. A matéria ainda está em etapa de discussão e aberta a consulta pública para que cidadãos contribuam na sua elaboração.

O ano de 2017 iniciou com menos água em reservatórios e com alerta de escassez. Em 2016, a Caesb anunciou racionamento e ordem de redução de 10% do consumo em Órgãos Públicos. Além disso, foram realizadas campanhas de conscientização (Campanha “Consciência 10”), principalmente em locais de maior gasto de água com sistemas de irrigação em áreas verdes (nas regiões nobres de Brasília).

Apesar de avisos feitos sobre o quadro dos reservatórios, o DF aderiu ao racionamento no início de 2017, período considerado chuvoso tempos atrás. Essa situação, bem como em outras regiões do país, como em São Paulo, que também passa por racionamento de água, reflete a intensa falta de responsabilidade e conscientização da população na utilização de recursos naturais. Após a realização do Fórum Mundial da Água, em 2016, em Brasília, evento mundial que discute recursos hídricos, verificou-se a necessidade de intensificar debates com a sociedade sobre o uso da água, a importância da despoluição de rios e lagos e uso racional e sustentável de elementos naturais.

Observando o contexto hídrico do país, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), a agricultura é o ramo que mais consome água no Brasil, apresentando consumo de 70% dos mananciais; seguido do setor da indústria (20%) e em terceiro o uso doméstico (7%). Dessa forma, por essa concepção macro, o uso de água pela população corresponde a menos de 10% dos recursos hídricos totais.

Diante da profunda crise no DF, que, segundo relatório elaborado pela Secretaria de Segurança Pública em 2003 já apontava colapso dos mananciais da capital, cortes deveriam ter sido feitos em todas as regiões e não apenas na parcela afetada diretamente pela bacia com níveis mais baixos. A prática de economia de água e conscientização deve ser realizada por todos.

Para tanto, segundo levantamento feito pela rádio CBN com base nos dados repassados pela Companhia de Saneamento, em pleno racionamento na capital, a residência do governador do Distrito Federal gastou 2,5 milhões de litros de água nos últimos quatro meses do ano passado, quantitativo exorbitante por não existir morador no local. Enquanto isso, em uma escola na cidade de Planaltina (Região Administrativa próxima ao Plano Piloto) com dois mil alunos, o gasto foi de um milhão de litros no mesmo período. Diante disso, pode-se concluir que grande parcela de culpa do DF passar pela maior crise hídrica da história está no descaso de seus gestores. Portanto, do que adianta a população mudar seus hábitos de consumo se seus representantes não dão o mínimo de exemplo?


Fontes:

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ANA. Agência Nacional de Águas. Disponível em: http://www2.ana.gov.br/Paginas/institucional/SobreaAna/uorgs/sof/geout.aspx. Acessado em: 23/01/2017.

BRASIL. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto Nº 55.815, de 1965. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4591.htm. Acessado em: 14/01/2017.

BRASIL. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Conversão da Medida Provisória nº 459, de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm. Acessado em: 14/01/2017.

CAESB. Campanha “Consciência 10”: Dicas adicionais para o uso racional da água. Disponível em: https://www.caesb.df.gov.br/component/content/article/8-portal/noticias/522-dicas-da-caesb-para-um-consumo-de-agua-mais-consciente-2.html. Acessado em: 18/01/2017.

CBN. Sem morador, residência oficial do governador do DF gasta mais água do que uma escola. Disponível em: http://cbn.globoradio.globo.com/especiais/torneira-aberta/2017/01/19/SEM-MORADOR-RESIDENCIA-OFICIAL-DO-GOVERNADOR-DO-DF-GASTA-MAIS-AGUA-DO-QUE-UMA-ESCOLA.htm. Acessado em: 23/01/2017.

CONGRESSO EM FOCO. Brasília corre risco de racionamento de água. Disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/brasilia-corre-risco-de-racionamento-de-agua/. Acessado em: 16/01/2017.

G1. Caesb abre licitação para quatro obras de captação de água no DF. Disponível em: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/09/caesb-abre-licitacao-para-quatro-obras-de-captacao-de-agua-no-df.html. Acessado em: 15/01/2017.

G1. População do DF tem maior alta do país e atinge 2,91 milhões, diz IBGE. Disponível em: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/08/populacao-do-df-tem-maior-alta-do-pais-e-atinge-291-milhoes-diz-ibge.html. Acessado em: 17/01/2017.

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei do Senado nº 15/2015, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/119621. Acessado em: 16/01/2017.

SECRETARIA DE ESTADO DE GESTÃO DO TERRITÓRIO E HABITAÇÃO/SEGETH. Lei de permeabilidade. Disponível em: http://www.segeth.df.gov.br/images/permeabilidade/consulta_publica/minuta_lei_permeabilidade_consulta_publica_11092016.pdf. Acessado em: 17/01/2017.

SILVA, Hélio de Andrade. Os problemas fundiários do Distrito Federal. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/29839-29855-1-PB.pdf. Acessado em: 16/01/2017.

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Tamiris Clóvis de Almeida
Graduada em Ciência Política pela Universidade de Brasília
Analista de Pesquisa no Instituto FSB Pesquisa